FREIRE, Paulo ([1967] 1997). Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 149 pp.

 

Thiago de Araújo Lira

 

O livro Educação como prática da liberdade, foi escrito por Paulo Freire em um período conturbado de sua, obrigado a deixar o país, devido acusações do Governo Militar, que havia dado um Golpe de Estado, e o acusará de praticar uma educação marxista, considerado crime para esse Governo. O livro foi lançado em 1967, quando Freire estava exilado no Chile, conta com 149 páginas.

A obra está dividida em quatro capítulos. O primeiro, com titulo “A sociedade brasileira em transição”; o segundo, “A sociedade fechada e inexperiência democrática”; o terceiro, “Educação versus massificação”; e o quarto, “Educação e conscientização”. Freire utiliza esse livro para expor suas crenças na educação, para apresentar seu método e, sobre tudo, para falar sobre a necessidade de libertação da sociedade de classes e de conscientização das camadas populares, por meio da educação. Ele faz uma das críticas mais firmes, no qual para ele essa prática educativa nunca será aceita pela elite econômica, porque ela promove a conscientização do povo sobre seu lugar no mundo, ou seja, educação deve abrir caminhar para a ação do sujeito histórico consciente, que esse sujeito deve conhecer sua realidade e construir-se nela, que suas ideias resultem em abertura para novos caminhos de liberdade.

         O livro analisado apresenta, já no prefácio, escrita por Francisco C. Welffort, intitulada de “Educação e política (reflexões sociológicas sobre uma pedagogia da liberdade)”, a significação histórica de Paulo Freire para a educação. O trabalho de alfabetização, realizado por Paulo Freire, foi de extrema importância para dar voz (escrita) a milhares de pessoas das classes populares, esse trabalho foi interrompido pelo regime repressivo do Governo Militar, que mesmo assim, não cessou a inquietude do movimento brasileiro de educação popular, iniciado por Paulo Freire.

         A pedagogia para homens livres e essencialmente democrática, que só pode ter sentido na história que os homens vivem. Segundo Welffort, essa é uma das principais colocações de Freire, ao se referir sobre a prática da liberdade, logo, que para ser livre é preciso ter consciência da liberdade, para ter liberdade é preciso que a sociedade o possibilite, para se alcançar a liberdade o caminho proposto deve ser a educação.  Assim, a luta pela liberdade só é possível ao considerar existente a repressão, essa visão diretiva de liberdade é inseparável da tomada de consciência do ator histórico.

         Seguindo a apresentação de Paulo Freire e do método freiriano, Welffort apresenta a dinâmica do trabalho educativo de alfabetização. Ao projetar algumas imagens no circulo de cultura, busca-se relacionar a consciência ao modo de aprendizagem. É por meio da vida real, que as palavras geradoras ganham forma, são elementos de convivência dos educando, no qual apresentam significação em situações reais, que os levaram a compreender o sentido da aprendizagem.

         A grande preocupação de Paulo Freire, segundo Welffort, se faz no sentido de “educar para a decisão, para a responsabilidade social e politica”[1]. Nesse sentido, a experiência de Angicos, causa preocupação às elites, devido a eminente mudança no cenário político com a participação popular nas decisões administrativas, revelou-se assim, o temor da classe média em perder os privilégios.

         No primeiro capítulo, “A sociedade brasileira em transição”, a relação que se dá sobre a vida em sociedade, faz do homem um ser de característica única, para Freire, o ser humano é o único animal capaz de se relacionar de forma consciente com os demais, ele é o único que pode ser um ser histórico, que corresponde à compreensão de relações, que modifica a natureza a sua necessidade, mas que sobre tudo comporta o ato de discernir e de compreender o passado, o presente e o futuro. O ser humano é capaz de produzir sua própria história, mas essa capacidade não se faz no vazio, é preciso que ele conviva com os outros, essa vivencia deverá proporcionar experiências escritas, reflexivas, dialogadas, humana.

         A ação do em sociedade deverá transitar entre a herança de experiências adquirida, criando e recriando situações, pelo qual se integra às condições e a seu contexto, o homem consegue obter respostas a seus desafios, objetivando-se a si próprio, discernindo, transcendendo, lança-se o homem num domínio que lhe é exclusivo — o da História e o da Cultura. Assim, o ato de educar, para Freire, é um ato constante de conhecer e reconstruir conhecimento sobre as coisas e essa ação pode ser vista como quebra de paradigma da verdade absoluta.

         Para Freire, nosso contexto histórico de exploração econômica, permitiu a construção das relações econômicas desiguais. A essa superestrutura, corresponde ao fato da educação sempre ser um ato de disputa e discursão. Na Ditadura Militar, os militares buscou eliminar essa disputa, se colocando no poder de forma autoritária e eliminou as possibilidades de discussão, sobre educação para a liberdade, pois se o povo se libertasse o regime não se sustentaria.

         No segundo capítulo, “A sociedade fechada e a inexperiência democrática”, o autor dimensiona “o processo de transição de nossa sociedade, pelo qual vinha passando por um processo de industrialização e que as disputas hegemônicas pelo poder, já havia proporcionado uma mudança no cenário político, com a revolução de 1930”[2]. Essas mudanças apresentam reflexos nas estruturas da sociedade e no dinamismo populacional. O autor compreende o deslocamento das massas populacionais, para a região Sudeste do país, como uma grande possibilidade de mudança para a educação, haja vista, que a população em processo de transformação de sociedade rural para urbana, deveria compreender o contexto espacial e democrático ao qual estava inserido.

         Paulo Freire utiliza dessa transição populacional, para alertar sobre a relação de interesse das politicas populistas sobre as grandes massas. “A democracia que, antes de ser forma política, é forma de vida, se caracteriza, sobretudo, por forte dose de transitividade de consciência no comportamento do homem”[3]. O Estado assistencialista, dessa classe política, buscava se firmar no poder sob o apoio popular, com isso a participação das grandes massas no processo eleitoral, poderia modificar totalmente o cenário hegemônico das elites econômicas.

         No terceiro capítulo, “Educação versus massificação”, o autor utiliza o espaço para falar sobre a real situação democrática e, até mesmo, sobre possibilidade de participação democrática concreta por parte do povo, por meio da educação. Assim, o autor, acreditava que o caminho para uma educação crítica e “criticizadora”, deveria partir de todas as esferas da sociedade que correspondente à política, a economia, a educação, a sociologia, a todas as camadas correspondentes a vida em sociedade.

 

“De uma educação que tentasse a passagem da transitividade ingênua à transitividade crítica, somente como poderíamos, ampliando e alargando a capacidade de captar os desafios do tempo, colocar o homem brasileiro em condições de resistir aos poderes da emocionalidade da própria transição”[4].

 

Logo, para o autor, as possibilidades de desenvolvimento econômico, dentro do modelo de dominação presente em nossa sociedade, só favorecia as camadas dominantes. Os ganhos econômicos do país, correspondia a melhora das condições de vida das elites.

         A partir do momento que ocorre a tomada de consciência das camadas populares, esses privilégios que compõem o estilo de vida das elites, chegam ao fim. A emergência das classes populares, “libertas”, digamos assim, ameaçam o elitismo, portanto eles acabam sendo subjugados com violência, que podem acontecer em diferentes esferas.

         No quarto capítulo, “Educação e conscientização”, Freire narra seu método de alfabetização. Para o autor, “deveria ser fundamental, um olhar de atenção especial aos déficits quantitativos e qualitativos de nossa educação”[5]. O método freiriano, buscou travar relações permanentes com este mundo em construção e com a realidade do educando, que por meio de ações educativas poderia reconstruir o mundo, pelo ato constante de criação e recriação, no qual o educando deve ser ator social e histórico. Ele poderá acrescentar suas experiências em suas ações, representando a realidade cultural em que está inserido, no processo formativo.

         Olhando para a educação e o contexto da educação profissional, a educação profissional no Brasil, com origem dentro do contexto de assistencialismo social, no que corresponde ao amparo da população de menor poder aquisitivo, até mesmo classificadas como marginais, aqueles que viviam a margem da sociedade, Freira busca dar voz a essa população, ele busca inseri-los dentro do contexto social em que vivem. No campo da educação e do trabalho, implica uma nova qualidade de educação universalizada para toda a população. De modo especifico, busca-se contribuir para um futuro em que a superação da dualidade de classes sociais traga um padrão digno de vida e de conhecimento não apenas para as elites, mas também para os trabalhadores, os verdadeiros produtores da riqueza social e seus filhos.

Portanto, a obra Educação como prática da liberdade represente um diálogo com o mundo, um diálogo com o povo brasileiro, mas sobre tudo, um diálogo com a democracia, pelo qual a democracia exercida de forma consciente, poderá vir a ser o principal caminho para a prática da liberdade, mas esse caminho deve ser constituído de uma prática pedagógica libertadora.

 



[1] Paulo Freire, Educação como prática da liberdade (Rio de Janeiro: Paz e Terra, [1967] 1997), 5.

[2] Freire, Educação, 83.

[3] Freire, Educação, 81.

[4] Freire, Educação, 86.

[5] Freire, Educação, 101.